Daniel Faria

Daniel Faria (1971-1999)

Carlos A. Moreira Azevedo

Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar-Paredes a 10 de Abril de 1971.

No Jardim-de-infância Glória Leão iniciou a sua vida escolar. Frequentou o ensino primário na Escola de Feira nº 2 (Calvário) (1977-1981) e o ciclo preparatório na Escola Preparatória de Baltar (1981-1983).

Desde cedo manifestou sedução pelo transcendente, indagou luz na leitura e augurou o desejo de ser padre.

Após os primeiros encontros no pré-seminário (1982-1983), entrou para o Seminário do Bom Pastor, em Ermesinde (1983-1986), onde manifestou veia poética, estimulada pelos educadores, como P. Manuel Mendes que lhe põe nas mãos Sophia e Eugénio. Passa para o Seminário de Vilar (1986-1989) e, como os colegas do mesmo ano do seminário, frequenta a Escola Secundária Rodrigues de Freitas, tendo como professora de português Rosa Maria Valente Goulão. Em 1989 começa a frequentar a Faculdade de Teologia, como aluno do Seminário Maior da Sé (1989-1994).

Concorre a prémios e publica os primeiros poemas. Organiza um Círculo de Leitura (s) no Seminário Maior, que promove a escrita poética e o contacto com autores, levando mesmo Eugénio de Andrade a falar ao Seminário. Lê Herberto Hélder, Ruy Belo, Sophia, Rilke, Borges, Luísa Neto Jorge, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, entre outros. A família sempre o recorda como dedicado à leitura e à escrita, retirado no seu “quadrado de sossego”. A fragilidade do seu físico e a timidez do carácter não apagam a sua invulgar inteligência e fulgor de olhar sobre o que o rodeia. Apaixonado pela claridade e operário do silêncio transportava dentro uma inquietude sábia.

Desde um retiro com Dom Luís Aranha, Abade de Singeverga – Santo Tirso, nos primeiros anos da teologia, começa a interrogar-se sobre a possibilidade de ser monge beneditino. Ao finalizar os estudos de teologia decide não se ordenar padre e frequentar a licenciatura em Estudos Portugueses, na Faculdade de Letras do Porto (1994-1998), onde entre outros professores, conhece Vera Vouga. Reside entre 1994 e 1997 na paróquia Senhora da Conceição, onde Carlos Azevedo seu diretor espiritual e professor era pároco, e no fim-de-semana continuou a colaborar na paróquia de Marco de Canaveses, orientada por Nuno Higino Cunha. Ai encenou Molière, como no Seminário tinha encenado Eliot (Assassínio na catedral). A variedade da sua criativa sensibilidade estética expressou-se também em colagens e desenhos.  

No último ano dos estudos reside no mosteiro de S. Bento da Vitória como postulante e, terminada a Faculdade de Letras, inicia a vida monástica como noviço, no mosteiro de Singeverga. Aí vem a ocorrer uma queda doméstica, na noite de 3-4 de Junho, que o leva ao Hospital de São João, onde depois do acolhimento entraria em coma, seria operado, sem resultado positivo, e viria a falecer a 9 de junho de 1999.

A sua tese de licenciatura na Faculdade de Teologia, defendida em 1996, sob orientação de Carlos Moreira Azevedo, foi publicada postumamente: A vida e conversão de Frei Agostinho: entre a aprendizagem e o ensino da cruz. Lisboa: Faculdade de Teologia da U. C. Portuguesa, 1999.

Dedicou à amizade a sua mais profunda atenção, investiu o ardor do seu coração e viveu com os amigos um acolhimento e uma invenção de gestos e de palavras sem limites. Espantosa é a unanimidade das pessoas com quem contactou testemunharem a inspiração serena da sua poderosa lucidez. Da sua poesia disse Sophia de Melo Breyner: “Versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós.”

«Daniel Faria traz uma poesia ainda com o sopro divino e, ao mesmo tempo, extraordinariamente humana, próxima do corpo, do desejo, da descoberta do mundo, mas também do grande combate da fé e do conhecimento de si»; «é uma das aventuras poéticas mais radicais e luminosas que o século XX inscreveu na literatura portuguesa», observou o padre José Tolentino Mendonça (2012, Câmara Clara, RTP 2).

E quando E quando chegou a vez de Sophia o ler, disse: “Versos que põem o mistério Recebeu vários prémios:

Prémio Engº Nuno Meireles, da Câmara Municipal do Porto, ex-aequo em 1990, com o conjunto de poemas: Uma cidade com muralha.

Postumamente, foi galardoado com o Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes 2004, atribuído pela Câmara Municipal de Amarante.

Em 2005, deu nome a Escola Secundária Daniel Faria de Baltar – Paredes.

A Câmara Municipal de Penafiel criou em 2005 um Prémio de Poesia Daniel Faria. José Luís Peixoto foi um dos vencedores (2008, Gaveta de papéis). Teve cinco edições. Visava trabalhos inéditos em língua portuguesa de autores com menos de 35 anos.

Carlos Azevedo criou em 2006 a Associação Casa Daniel, que construiu um espaço de eremitério na Quinta da Cruz, Granjinha – Tabuaço, perto do mosteiro cisterciense de São Pedro das Águias. Este projeto, inaugurado a 12 de julho de 2014, foi sonhado com Daniel Faria nas visitas anuais ao local e levado por diante, após a sua morte, assumindo então o seu nome de batismo.

Pablo Fidalgo Lareo, escritor e criador teatral, apresentou com Tiago Gandra uma peça sobre a vida de Daniel Faria, no Teatro Rivoli no Porto a 9 e 10 de Junho 2016 e no Teatro D. Maria II, em Lisboa, dias 19 a 22 de janeiro de 2017.

Daniel Faria foi traduzido para espanhol, pela Editora Sígueme, e teve surpreendente sucesso, estando nos livros mais vendidos nos primeiros dias, apesar de ser texto de poesia. Na Argentina mereceu um acolhimento enorme.

Está a receber no Brasil uma notável adesão. Tem sido objeto de teses de doutoramento.


Obras:

Uma cidade com muralha. Bibliotheca Portucalensis 6 (1991) pp. 57-79, com desenhos de Nazaré.

Oxálida. Porto: Associação de estudantes da Faculdade de Teologia, 1992. Sob pseudónimo de Cérjio Lage, escolhido para o concurso vencedor do primeiro prémio literário D. António Ferreira Gomes, e que a Associação escolheu para a edição, sem consultar o Autor.

A casa dos ceifeiros. Porto: Associação de estudantes da Faculdade de Teologia, 1993. Publicado com nome de Daniel Augusto.

O país de Deus. Inédito de 1991. Oferta a João Pedro Brito.

Explicação das árvores e de outros animais. Porto: Fundação Manuel Leão, 1998. 2ª edição Porto: Fundação Manuel Leão, 2002

Homens que são como lugares mal situados. Porto: Fundação Manuel Leão, 1998. 2ª edição Porto: Fundação Manuel Leão, 2002.

Dos líquidos. Porto: Fundação Manuel Leão, 2000. 2ª edição Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2003.

Legenda para uma casa habitada. Ed. de Nuno Higino Cunha e Vera Vouga. Marco de Canaveses: Paróquia de Santa Maria, 2000.

Poesia. Edição de Vera Vouga. Famalicão: Quasi, 2003. Reúne pela primeira vez os cinco livros publicados e alguns textos inéditos. 2.a edição: Famalicão: Quasi, 2006. 3ª edição: Famalicão: Quasi, 2009.

O livro do Joaquim, ed. e pref. Francisco Saraiva Fino. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2007.

Poesia. Porto: Assírio e Alvim – Porto Editora, 2012. 458, 5 p. 2ª edição Porto: Assírio e Alvim – Porto Editora, 2015.

Traduções

– In memoria di Daniel Faria. Trad. de Giuseppe Mea. Primeira prova. Revista eletrónica de Línguas e literaturas modernas. n.º 0 (Abril 2004). Seu professor de italiano na Faculdade, traduz alguns poemas: web.letras.up.pt/primeira prova/imddf.htm

– Hombres que son como lugares mal situados, ed. bilingue de Luís María Marina. Salamanca: Sígueme, 2015.

– De los líquidos, trad. Luís María Marina. Salamanca: Sígueme, 2016.

Muitos dos seus poemas integram antologias de poesia, nomeadamente:

A Poesia está na rua – 25º Aniversário do 25 de Abril. Organização de Francisco Duarte Mangas. INATEL; Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 1999.

Encontros de Talábriga – 1º Encontro Internacional de Poesia de Aveiro. Coordenação de Egipto Gonçalves e Rosa Alice Branco. Aveiro: Fundação João Jacinto de Magalhães, 1999.

O Futuro em Anos-Luz:100 anos, 100 poetas, 100 poemas. Selecção e organização de Vítor Hugo Mãe. Porto: Quasi Edições, 2001.

Anos 90 e Agora: Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização de Jorge Reis-Sá. Famalicão: Quasi Edições, 2001.

Século de Ouro: Antologia crítica da Poesia Portuguesa do século XX. Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra. Braga; Coimbra; Lisboa: Angelus Novus & Cotovia, 2002.

Há no mundo inteiro, uma quando muito, rua difícil de encontrar: Metáfora Viagem: palavras de poeta. Organização de Ana Castro e Jorge Roque. Lisboa: IPBL. Dia Mundial da Poesia, 2003.

A Alma não é pequena: 100 poemas portugueses para SMS. Selecção e organização de Vítor Hugo Mãe. Famalicão: Centro Atlântico, 2003.

– Anthologie de la jeune poésie portugaise, Maison de la Poésie Rhône-Alpes, 2004.

El arte de la pobreza. Diez poetas portugueses contemporáneos, de José Ángel Cilleruelo. Málaga: Servicio de Publicaciones, Centro de Ediciones de la Diputación, 2007.

– Photomaton: Nueva lírica portuguesa, compilação de Andrès Navarro. Montevideo: Hum, 2011.

Verbo: Deus como interrogação na poesia portuguesa. Selecção e prefácio José Tolentino Mendonça; Pedro Mexia. s.l.: Assírio & Alvim – Porto Editora, 2014, pp. 207-222.


Colaborou em diversas revistas:

Limiar – Revista de Poesia, Porto, nº 11. 1999

Hablar/Falar de Poesia – Badajoz;Lisboa, nº. 4, 2000.

Cadernos – Centro Catecumenal Igreja do Porto, Porto. Ano 1:1 (2000).

Folhas Caídas – Porto, Biblioteca Municipal Almeida Garret, Setembro 2003, Semanas 1-4.

Apeadeiro – Revista de Atitudes Literárias. Famalicão. n. 4/5 (2004).

PRIMEIRA@PROVA – Revista electrónica de Línguas e Literaturas da Faculdade de Letras do Porto.

Sara Fazib – Revista electrónica

Bibliografia passiva

PAZ, Octavio – El arco y la lira. Col. Lengua y Estudos Literarios. Mexico: Ed. Fundo de cultura económica, 1998.

VOUGA, Vera – Explicação dos homens e de outros animais. Revista da Faculdade de Letras. Línguas e literaturas. Porto. 15 (1998) pp. 105-122.

VOUGA, Vera – Sobre este nome precipitem as manhãs. Daniel Faria: 12 degraus para o seu conhecimento. Germina. Revista de literatura e arte.

http://www.germinaliteratura.com.br/dfaria.htm

MARTELO, Rosa Maria – Anos noventa: breve roteiro da novíssima poesia portuguesa. Via Atlantica. n. 3 (1999). Universidade de São Paulo.

GUERREIRO, António – O movimento do mundo. Expresso/cartaz. 07-04-2001.

COELHO, Alexandra Lucas – O rapaz raro. Público/Mil folhas. 14-07-2001.

AZEVEDO, Carlos A. Moreira – Daniel Faria em demanda da luz ou a “claridade da morte”. Viragem: Revista do Movimento Metanoia. 39 (2001) pp. 32-34.

NUNES, José Ricardo – Daniel Faria. In 9 poetas para o século XXI. Coimbra: Angelus Novus, 2002, pp. 17-29.

COELHO, Eduardo Prado – O homem que nunca compreendeu. Os meus livros. n. 14 (setembro 2003).

MOURA, Vítor. O giroscópio. Revista Relâmpago. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, n. 12 (abr. 2003) pp. 53-61.

CARLOS, Luís Adriano – A poesia de Daniel Faria. Primeira prova. Revista eletrónica de Línguas e literaturas modernas. n.º 0 (Abril 2004). web.letras.up.pt/primeira prova/apdf.htm

CANTINHO, Maria João – Daniel Faria ou a (im)possibilidade de uma arqueologia da palavra. in Ciberkiosk. revista on line Agulha. https://mjcantinho.com/2010/12/04/daniel-faria-ou-a-impossibilidade-da-arqueologia-da-palavra.

BARRENTO, João; CENTENO, Y. K. – Paul Celan: o Verbo e a morte. Introdução. In CELAN, Paul – Sete Rosas mais tarde. Antologia poética. 2 ed. Lisboa: Cotovia.

PÉCORA, Alcir – Escrevo do lado mais invisível das imagens. In Século de ouro: antologia crítica da poesia portuguesa do século XX. Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra. Braga; Coimbra; Lisboa: Angelus Novus & Cotovia, 2002, pp. 80-85.

FINO, F. S. – Para o instrumento difícil do silêncio. Fulguração da palavra poética na obra de Daniel Faria: um percurso. Revista da Faculdade de Letras. Línguas e Literaturas. Porto. 23 (2006) pp. 393-429.

ALVES, Ida Ferreira – A poesia de Daniel Faria: a claridade da morte. Via Atlântico. 11 (2007) pp. 103-115. Universidade Federal Fluminense.

FURTADO, Maria Teresa Dias – Daniel Faria: se fores pelo centro de ti mesmo. Didaskalia. 37:2 (2007) pp. 121-135.

BASTO, Jorge Henrique – A palavra abençoada de Daniel Faria. novembro 2010. http://amargemdaletra.blogspot.com/

E agora sei que oiço as coisas devagar: evocação e escuta de Daniel Faria. Porto, Palacete dos Viscondes de Balsemão, 8-9 jun. 2009. Org. de Francisco Topa e Marco de Oliveira Marques. Porto: Sombra Pela Cintura, 2010. Reúne 10 intervenções num Colóquio pelos 10 anos da morte do poeta.

AZEVEDO, Carlos Moreira – “Soubesse eu morrer iluminando”: o sentido da morte em Daniel Faria. Revista interdisciplinar sobre o desenvolvimento humano. 1 (2010) pp. 53-58.

MARTELO, Rosa Maria – Daniel Faria: a magnólia “maior / e mais bonita do que a palavra”. In MARTELO, Rosa Maria – A forma informe: leituras de poesia. Lisboa: Assirio & Alvim, 2011.

CORTEZ, António Carlos – Daniel Faria “é um dos nossos maiores poetas do século XX”. Jornal de Letras. 03-10-2012. Ignora a publicação do livro Poesia Quasi Edições de 2003…

MEXIA, Pedro – Daniel Faria: uma obra singular na poesia portuguesa contemporânea. Expresso. 28-07-2012.

SANTOS, Luís Filipe – Daniel Faria dez anos após a morte inesperada. Revista Triplov. Revista de arte, religiões e ciências.

http://www.triplov.com/poesia/daniel_faria/critica/luis-filipe-santos.htm

GARCIA, Mário, SI – A fulguração da morte na obra literária de Daniel Faria. Diário do Minho. 10-04-2013.

FERREIRA, António Manuel – Ofício de morrer: o lirismo agreste de Daniel Faria. Forma breve (2014) 109-131. Da Universidade de Aveiro.

TEIXEIRA, José Rui – Um modo de amar antes do tempo: sobre a saudade de Deus na poesia de Daniel Faria. VI Congresso Internacional de Literatura, Estética y Teologia: El amado en el amante: figuras, textos y estilos del amor hecho historia. Pontificia Universidad Católica Argentina Buenos Aires, 17-19 de maio de 2016. Publicado pelo www.snpcultura.org/sobre_a_saudade.

MILHAZES, Ana Catarina – Porque és um povo que abandona a tua casa. Desamparo português em Daniel Faria. Comunicação no Colóquio Internacional Filosofia e Literatura: Entre Portugal e Macau Lusofonia. Utopia criadora? Maio de 2017.

AZEVEDO, Carlos Moreira – Daniel Faria, profundo poeta místico (1971-1999). In Stella. n. 688 (2017) pp. 18-19.

COELHO, Valéria Soares – Daniel Faria: “Dos líquidos”: os anzóis profundos dos sinais. Faje.edu.br. pp. 202-210. PUC Minas. profvaleriacoelho@gmail.com

Ver http://www.jornaldepoesia.jor.br/danielfaria.html#bio

One thought to “Daniel Faria”

  1. “Versos que põem o mistério a ressoar ao redor de nós”, diz Sophia… Feliz esta vida de Daniel que nos congrega para Aquele que guiou o seu ser e agir…

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *